quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um bondoso homem...

Havia um homem, que vivia a ajudar outras pessoas. Ele sempre acordava cedo, fazia duas marmitas, e ia para o trabalho. Pegava 2 ônibus para atravessar a cidade e ir para um trabalho sofrido numa linha de produção. Trabalhava numa fábrica, era apenas mais um rosto na multidão. Passava o dia com seus dois turnos intercalados pelo almoço. Uma daquelas marmitinhas simples que ele mesmo fazia. Ao fim do dia, ia para o vestiário da empresa, tomava um banho, passava um desodorante, e saia.

Mas ele não voltava pra casa. Ele ia andar pelas ruas. Ia fazer algo que eu e você acho que nunca fizemos. Ele ia procurar pessoas na rua, que precisassem daquela segunda marmita que ele fazia. Ele sempre encontrava alguém.

Ali ele perguntava o nome daquela pessoa. Dava de comer a ela, mesmo sendo uma simples marmita fria, mas aquela pessoa sempre agradecia. E pra ele, tão pouco importava o cheiro da pessoa, a cor da pele, a roupa, os dentes. O que interessava era ver que a dor dele ainda era pouca, perto da dor de outras pessoas.

Ele descobria histórias tristes, de pessoas que tinham família, que tinham filhos e esposas, e que surpreendidos pelo improvável destino, perderam tudo.

Muitos nunca haviam bebido uma gota de álcool antes de tudo isso, mas depois, com o fim da esperança, a única coisa que anestesiava suas mentes da tristeza era a bebida. Viravam farrapos humanos, empobrecidos não de dinheiro, mas de esperança.

Este bom homem que dava alimento aos famintos, ao fim de mais uma dessas conversas, dava um longo abraço no outro pobre homem, chorava algumas lágrimas neste abraço, e falava: “Jesus te abençoe, meu irmão. E se eu pudesse fazer meu sofrimento aumentar para que o seu diminuísse, Deus sabe que eu sofreria feliz”. Ele se despedia, com os olhos em lágrimas, e partia para sua casa. Assim era a rotina deste bondoso homem. Todos os dias.

Nos finais de semana ele era apenas um senhor que frequentava a igreja. Inclusive ia nos cultos dos jovens, e ficava lá no fundo, só ouvindo. As vezes, ele chorava quietinho, mas ninguém nem notava ele lá. Nos domingos, o gazofilácio passava, e o dízimo dele estava lá, sempre um pouco maior do que a décima parte, pois ele cria que aquele dinheiro não era dele.

E na segunda-feira, ele voltava a ser o operário de uma fábrica.

Ao fim do dia, novamente partia para sua boa ação. E como sempre, encontrava alguém.

Mas desta vez um dos que ele já havia ajudado o encontrou. E ao invés de falar de si, perguntou ao operário por que ele fazia aquilo.

“Eu tinha uma esposa, e ela era linda. Amávamos um ao outro muito, e sempre desejamos ter filhos. Infelizmente, um dia descobrimos que ela tinha câncer no colo do útero, e de maneira muito triste tivemos que remover o orgão do corpo dela. Poucos anos depois, o câncer mostrou-se mais forte do que simplesmente nos tirar a alegria de ter filhos: ela morreu. Minha dor era muita, e eu olhava para Deus e me perguntava por quê. Aí, numa madrugada que no meio do caminho eu resolvi matar o dia de trabalho no serviço por causa da minha angústia, fui andar a pé pelo centro da cidade. Achei um senhor comendo restos numa lata de lixo. Fiquei comovido com aquilo, e resolvi dar minha marmita para ele. Me doeu quando ele me falou que a vida dele era menos útil do que aquela lata de lixo que ele revirava. Eu chorei com ele, de tristeza, mas já não era a minha tristeza. E sabe? Isso me deu ânimo. Ânimo pois eu entendi o por que Deus me fez sofrer tanto: para entender que meu sofrimento poderia não ser nada, e que eu tinha muito e que deveria dar graças por ainda ter o que eu podia ter. E assim, sempre, eu aprendi a fazer isso: sair pelas ruas dando de comer a quem precisa.”

Desta vez não foi o bondoso senhor que chorou com o mendigo. Foi o mendigo que chorou com aquele homem. E se abraçaram, e o homem partiu.

Naquele dia, para tristeza dos anjos e mais ainda dos poucos humanos que sabiam dessa história que eu conto agora, dois jovens universitários tiravam racha na noite da cidade. Justo na avenida onde aquele bondoso homem ia atravessar. Pois ele ia, se não fosse atropelado e morto naquele local.

Para sorte da justiça humana, pessoas viram e puderam prender os jovens, mas para infelicidade dos que precisavam, aquele bondoso homem morreu. E justiça humana nenhuma seria o bastante para fazer valer a morte de um homem como aquele.

Talvez, aquele homem foi para perto da esposa. Talvez foi para perto de Deus. Mas no seu enterro, para tristeza minha, eu era apenas um dos poucos que estava presente, a contar alguns mendigos e poucos familiares.

Um homem bom, que fazia o bem a homens que precisavam, foi morto por injustiça dos homens.

Será que essa história já não é conhecida?

Rony Gabriel