sábado, setembro 10, 2005

A Loja De Rações

Existia uma pequena loja de rações na cidade. Nela, existiam algumas poucas gaiolas vazias, onde provavelmente ficavam filhotes à espera de um dono. Tive que visitar esta loja algumas vezes dias atrás, quando negociava algo que me deixava extremamente infeliz...
Nas férias de Janeiro, minha família me informou que mudaríamos da cidade para uma outra, e que iríamos morar em um edifício. Notícia triste, pois minha cachorrinha não poderia seguir conosco para nossa nova morada. Ela era um filhote, que eu tinha pegado havia pouquíssimos meses.
Chorei por vários dias antes do dia da mudança. Sabia que ficaria sem minha cachorra, o que me deixava angustiado e sem esperanças. Olhava para os céus, e perguntava para Deus o por quê desta situação. Finalmente, no dia, fui levar aquele pedaço de doçura para a loja, afim de que ela ali encontrasse algum dono que cuidasse bem dela, da mesma forma que eu faria.
A despedida, dolorosa e sôfrega, me fez angustiar o coração. Comecei a pegar raiva de Deus. Cego pela ira, não compreendia que Deus sempre é sábio e guarda boas coisas para nós.
Todos dias depois da mudança eu andava pelas redondezas donde minha família havia assentado novo lar, olhando os cães como se eu procurasse a minha filhotinha. Já haviam se passado uns vinte dias depois da mudança, pude ver uma pequena cocker como a que eu havia deixado naquela cidade em que eu vivia. Num impulso automático, mesmo sabendo que era improvável a possibilidade daquela cachorrinha ser a minha antiga companheira, eu gritei seu nome. Ela atendeu.
Por uns dias, acreditei que fosse mesmo minha cachorra. Mas a razão um momento me atacou e me fez parar de crer naquela bobagem. Não poderia ser minha antiga cachorra. Eu estava em outra cidade, e lembro-me que havia deixado-a naquela loja de rações. Mesmo assim, peguei um certo afeto por aquela nova cadelinha que eu sempre passava no seu portão, para brincar pela grade mesmo que fosse.
Num dia destes, conheci a dona da pequena cachorra. Ela veio até o portão, e me viu brincando com sua companheira. Com um sorriso lindo, de lábios pequenos, porém carnudos, ela veio ao meu encontro. Balançava seus cabelos cacheados com uma maciez de sedas ao vento, e vestia um vestido que deixava seus ombros a mostra, exibindo sua bela pele morena e amanteigada. Isto tudo somado ao seu perfume, que a brisa leve trazia até meu rosto, e me fazia carícias com o seu aroma.
Eu fiquei maravilhado com a sua beleza, não menos fiquei com o som de sua voz, ao ouvir ela se apresentar e indagar o porque de fazer aquilo quase todos os dias.
Fiquei extremamente ruborizado... Ela me observava! Senti-me um tolo, mas resolvi contar a história. Contei os detalhes, desde a notícia da mudança até ao conhecer a cachorrinha dela. Ela, ao fim começou a gargalhar. Eu não entendi a graça de meu sofrimento, e fiquei um pouco intrigado com aquela desfeita. Mas ela logo pediu desculpas, e começou a explicar o que a fez rir de minha odisséia canina...
Em férias, ela foi até a casa dos avós dela. Ficava em outra cidade. Ela sempre prometia correr atrás de um filhote para criar em sua casa, mas como era uma mulher trabalhadora e de pouco tempo para ver isso em sua cidade, resolveu fazê-lo nas férias, naquela cidade de seus avós mesmo.
Foi até o centro da cidade, e passou numa floricultura para comprar algumas flores para sua avó. Ao chegar à floricultura, logo o vendedor pegou alguns cravos, e disse bem: “leve-os, pois sua vovó os adora”. Ela não entendeu como ele sabia para quem seriam as flores, mas na tentativa, resolveu levar os cravos. Antes de sair da floricultura, perguntou ao homem se existia alguma loja de animais. Ele disse que tudo que sabia era que existia a pequena loja de rações, porém havia dias que nenhum filhote aparecia por ali.
Ela, ainda com os cravos na mão, foi à loja e lá encontrou um filhote cocker que o seu dono havia a deixado ali fazia poucas horas. Ele iria se mudar para outra cidade, e não poderia a levar. Ela se apegou à pequena fofura daquela cachorrinha, e resolver levá-la para sua casa, em sua cidade.
Eu não acreditei que aquele fato fantástico estava acontecendo. Era ali, naquele portão, a minha cachorrinha. A dona não acreditava, e dava muita risada de toda coincidência que aconteceu. Eu fiquei muito feliz em saber que ainda poderia ver aquela doçurinha sempre que quisesse, logo ali, perto de minha residência.
No decorrer dos dias, passeávamos eu, a cachorra e sua dona. Saímos várias vezes, até que não demorou que eu quisesse mais que apenas passear com aquela cachorrinha. Eu queria mesmo era sair com aquela garota que me apaixonei desde o primeiro dia que a vi, com aquele sorriso, com aquela forma meiga de tratar-me.
Com isso, me humilhei a Deus. Pedi desculpas pela minha incredulidade, pois nem fazia idéia que usaria deste recurso para unir-me a alguém. O que no começo parecia-me uma maldição, mostrou-se uma benção tremenda.
Quanto aos cravos, realmente a avó dela adorava-os, embora foi uma certa “coincidência” o floricultor saber para quem eles eram.
Nós dois? Não sei bem. Ainda estamos nos conhecendo. Eu espero que ela esteja tão feliz quanto eu estou, e sinto que não é o fato de firmamos algo que nos fará unidos, mas sim o que um sente pelo outro.
Eu sinto que tudo vem como Deus quer, afinal, foram coincidências muito intrigantes estas que se sucederam entre eu e ela. Inclusive, voltamos à loja de rações dias atrás, e soubemos que não somos o primeiro casal a ser unido por conta dos filhotes que passaram por aquela loja. Curioso isto também, não?...

Rony Gabriel